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Nascidos Para Jogar

Se vocĂȘ nasceu para jogar, nĂŁo importa de onde vocĂȘ vem. Viajamos pelo Brasil com Luisa Dörr procurando histĂłrias que mostram como o futebol americano jĂĄ estĂĄ entre nĂłs, e impactando a vida das pessoas. Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife e Manaus foram as cidades que visitamos e onde pudemos atestar: o futebol americano Ă© coisa nossa #NascidosParaJogar.​

Rio de Janeiro, RJ

Samuell Ă© nascido e criado em uma comunidade no Engenho Novo, subĂșrbio do Rio de Janeiro. Seu pai Ă© ex-atleta de atletismo, chegou a correr os 100m em 10,2 segundos. Pensou em colocar o filho no arremesso de peso, mas um dia conheceu um atleta americano de 13 anos que chamava a atenção de universidades americanas pelo porte fĂ­sico, muito semelhante ao de Samuell, que aos 13 anos media 1,80m e pesava 130kg. Seus pais conheceram a Rio Football Academy, apesar do trajeto de 2:30 horas para chegar atĂ© o local, apostaram na ideia. No primeiro treino Samuell impressionou e ganhou uma bolsa para treinar como OL no programa. HĂĄ 2 anos, Samuell e seu pai fazem a jornada de 5 horas duas vezes por semana para que Samuell frequente os treinos. Ele Ă© titular do time Sub20 da RFA, pentacampeĂŁo brasileiro, e jĂĄ treina entre os adultos, chamando a atenção inclusive de scouts da NFL Academy.

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Em um paĂ­s onde a desigualdade social fica evidente em qualquer grande centro urbano, o esporte entra como um importante vetor de inclusĂŁo social, e sua potĂȘncia Ă© demonstrada em diversas histĂłrias que podemos testemunhar nos noticiĂĄrios, nas redes sociais, ou mesmo em nossos cotidianos.

Em dezembro de 2022, a Rio Football Academy inaugurou um projeto social que ensina flag football para crianças na comunidade da Rocinha. O projeto atende hoje 20 crianças, entre elas Lucas e Pietro, que apesar de terem ouvido falar em futebol americano nos filmes, nunca se imaginaram praticando a modalidade. Na RFA encontraram a chance de vivenciar esse esporte, e hoje, sĂŁo grandes entusiastas da modalidade, almejando atĂ© um dia serem destaques da bola oval. Pietro diz que nĂŁo Ă© bom no futebol, mas que consegue perceber seu maior potencial no futebol americano. Lucas vĂȘ na RFA uma segunda famĂ­lia, jĂĄ participou de camps da seleção brasileira e venceu um torneio em Curitiba, em uma das melhores experiĂȘncias de sua vida.

Uma das maiores favelas da amĂ©rica latina, com mais de 60 mil habitantes, a Rocinha Ă© um microcosmo particular do Rio de Janeiro. Uma economia dinĂąmica e uma população que resiste apesar das barreiras estabelecidas pela desigualdade social. No meio disso tudo, Ă© possĂ­vel se encantar com o olhar esperançoso de crianças que conseguem ver um futuro melhor atravĂ©s do esporte. O esporte Ă© transformador; Samuell, Lucas, Pietro, Patrick e todas as crianças do projeto sĂŁo evidĂȘncias do potencial do esporte como meio de inclusĂŁo social e, nesse contexto, o futebol americano chega para somar como mais uma modalidade que pode transformar realidades no Brasil.

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Recife, PE

Todo brasileiro jĂĄ deve ter ouvido falar em Fla-Flu, Ba-Vi ou Gre-Nal, letras que expressam rivalidades de dĂ©cadas. O que talvez nem todos saibam, Ă© que no futebol americano brasileiro hĂĄ tambĂ©m uma rivalidade ganhando contornos histĂłricos. Estamos falando das duas power houses do nordeste, Recife Mariners e JoĂŁo Pessoa Espectros, que realizam seus clĂĄssicos na Arena Pernambuco, um dos palcos da Copa de 2014, e levam milhares de torcedores Ă s arquibancadas cada vez que o clĂĄssico acontece, alcançando as maiores mĂ©dias de pĂșblico do futebol americano no Brasil. Fundados quase que ao mesmo tempo, os dois times se destacam como os principais da regiĂŁo. A distĂąncia de pouco mais de 100 km facilita a logĂ­stica das partidas e das caravanas de torcedores, o clĂĄssico jĂĄ acumula 21 jogos em quase 17 anos de histĂłria. Eagles x Steelers, por exemplo, acumula 81 jogos desde 1933. O Mariners foi o primeiro time do nordeste a conseguir vencer o Espectros, mas o rival jĂĄ enfileirou 11 tĂ­tulos seguidos da conferĂȘncia nordeste.

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Callus Cox Ă© americano, mas foi em terras brasileiras que achou uma nova casa para sua jornada atlĂ©tica. Nascido para jogar, como ele mesmo declara, viu nos Espectros de JoĂŁo Pessoa uma oportunidade Ășnica para continuar sua carreira apĂłs a faculdade. Antes de chegar aqui jogou na Turquia, hĂĄ oito anos no Brasil, se vĂȘ imerso na cultura e na paixĂŁo do futebol americano brasileiro.
Para Cox, o Brasil foi uma revelação, desafiando suas expectativas e revelando a beleza e a diversidade do paĂ­s para alĂ©m das telas de cinema. Sua presença transcende o jogo em si; ele se vĂȘ como um agente de disseminação do amor pelo esporte pelo mundo, dedicando-se nĂŁo apenas ao seu prĂłprio crescimento, mas tambĂ©m ao desenvolvimento e apoio aos seus companheiros. Nos Espectros, Cox encontrou uma comunidade unida pelo trabalho, pela famĂ­lia e pelo amor ao futebol americano

Do lado oposto do campo, iniciando sua jornada nos Mariners em 2012, Lucas Adolfo testemunhou desde cedo a rivalidade, sentindo-a pulsar em cada derby. Em 2018 aceitou um convite para jogar nos Espectros, experimentando o clĂĄssico de uma perspectiva diferente. Em 2019 retornou para o time de Recife.
Para ele, a rivalidade não nasceu exatamente grande, mas sim cresceu à medida que os Mariners demonstravam sua capacidade de competir com os Espectros. O equilíbrio entre os times aumentou a competição, dando origem a provocaçÔes entre jogadores e torcidas, alimentando a chama da rivalidade.
Adolfo acredita que o futebol americano no Brasil Ă© movido pelo amor ao esporte, a vontade de jogar que supera qualquer retorno financeiro. ProfissĂ”es diversas se encontram dentro dos times, desde educadores fĂ­sicos atĂ© advogados e mĂ©dicos, todos unidos pela paixĂŁo pelo esporte. Ele sonha em ver a liga crescer em nĂșmeros e estabilidade financeira, mas tambĂ©m anseia pela conquista do tĂ­tulo brasileiro e pela participação em um campeonato mundial.
Apesar da rivalidade feroz em campo, Adolfo mantĂ©m uma relação de amizade com jogadores dos Espectros, demonstrando que, alĂ©m das disputas no jogo, existe um profundo respeito mĂștuo entre os atletas.

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Manaus, AM

Em Manaus, 12 anos atrås, as Valkyrias surgiram através de uma conversa entre amigas, amantes de futebol americano, que queriam fomentar um espaço para mulheres dentro do esporte. Um time com um legado, história e personalidade extremamente competitivo.

Com uma trajetĂłria marcada por vitĂłrias, desafios superados e laços fraternos forjados em batalhas compartilhadas, as ValquĂ­rias acumulam em seu repertĂłrio de vitorias o tĂ­tulo de CampeĂŁs Nacionais de 2022 e OctacampeĂŁs regionais em 2023, transcendendo as fronteiras do esporte e se tornando uma famĂ­lia unida por um propĂłsito comum. Seja no estado do Amazonas, na regiĂŁo Norte ou em todo territĂłrio brasileiro, elas inspiram atravĂ©s de suas conquistas no campo e pela forma como representam valores como coragem, resiliĂȘncia e solidariedade, tornando-se verdadeiras embaixadoras do flag football e do potencial das mulheres no esporte.

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No mundo do esporte, onde a competitividade e a superação se entrelaçam em uma dança incessante, encontramos no centro da nossa narrativa, trĂȘs mulheres extraordinĂĄrias que desafiam limites impostos e moldam seus prĂłprios caminhos rumo a glĂłria:

Kricia Solarte Cavalcanti, uma das jogadoras de maior destaque das Valkyrias, ecoa a essĂȘncia do time. De Pitinga, Amazonas, Kricia expressa sua devoção ao esporte, descrevendo-o como uma fonte de motivação e inspiração. Para ela, o flag football Ă© muito mais do que uma simples prĂĄtica esportiva; Ă© onde significado de vida, paz, desafio e a oportunidade de compartilhar sua paixĂŁo com outras pessoas.

Magå, como é carinhosamente conhecida Anne Margarida, revela sua jornada pessoal de ingresso nas Valkyrias, contando que conheceu assim, na tora: na cara e na coragem o que é esse esporte. Sua história reflete a determinação e coragem necessårias para enfrentar desafios e abraçar novas oportunidades. O flag football não apenas a trouxe para o esporte, mas também a introduziu em uma comunidade unida e acolhedora.

Fernanda Maciel, uma jogadora talentosa e dedicada, compartilha sua perspectiva sobre a evolução das Valkyrias e a importùncia do esporte em sua vida. Como uma das quarterback do time, ela lidera com habilidade e determinação, destacando o papel central que cada membro desempenha no sucesso coletivo.

AlĂ©m das conquistas dentro de campo, as Valkyrias vislumbram um futuro promissor com a inclusĂŁo do flag football nas OlimpĂ­adas. Para elas, essa oportunidade representa mais do que simplesmente competir em um evento internacional; Ă© uma chance de inspirar e capacitar outras mulheres, promovendo a igualdade de gĂȘnero e o desenvolvimento do esporte no paĂ­s.

Em meio às provocaçÔes e rivalidades saudåveis, as Valkyrias permanecem unidas em seu compromisso com o esporte e sua comunidade. Sua determinação, paixão e dedicação são testemunhos vivos do poder transformador do futebol americano e do potencial ilimitado das mulheres no esporte. Que as Valkyrias continuem a brilhar e a inspirar geraçÔes futuras de atletas a alcançarem seus sonhos, dentro e fora do campo.

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Belo Horizonte, MG

No paĂ­s do futebol, o que mais se vĂȘ em relação a pratica esportiva diz respeito Ă  esta modalidade. Seja no salĂŁo, sintĂ©tico, grama, lama, society... Ă© uma predominĂąncia fĂĄcil de se identificar. Futebol americano muitas vezes Ă© algo que as pessoas nunca ouviram falar, ou se ouviram, nunca viram. Mas acredite, ele estĂĄ por aqui. No campo do Chiqueirinho por exemplo, subĂșrbio de Belo Horizonte, mais de 50 crianças praticam flag football. O esporte chegou atĂ© elas atravĂ©s do projeto social Touchdown do Bem. Quando os idealizadores do projeto visitaram as escolas da regiĂŁo para convidar as crianças a participarem da atividade, os diretores nem acreditaram que aquilo seria possĂ­vel, como assim? VocĂȘs vĂŁo ensinar futebol americano para as crianças da regiĂŁo? Muitas nunca tinham ouvido falar no esporte, mas a bola oval carrega uma magia que desperta curiosidade e encanto, e nĂŁo foi difĂ­cil para as criançãs se divertirem e perceberem o valor daquela atividade. O projeto impactou a vida daquela comunidade, atĂ© mesmo os adultos passaram a conhecer e acompanhar um pouco a NFL.

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Dayne entra no seu carro para começar mais um dia. DĂĄ inĂ­cio a viagem em direção ao Campo do Chiqueirinho, no Bairro da IndependĂȘncia. No caminho uma parada no supermercado, precisa comprar lanche para as 40 crianças esperadas para o treino do dia. O primeiro do ano apĂłs o recesso de natal.
Dayne sentiu o chamado do esporte em 2017. Esbarrou com o futebol americano, viu ali uma vocação, em 2020 entendeu a potĂȘncia daquilo e sentiu a necessidade de transformar o chamado em ação. Encontrou no Campo do Chiqueirinho o terreno propĂ­cio para o esporte fazer sua mĂĄgica.
Quem chega naquele local, dificilmente vai imaginar que ali hå crianças que praticam futebol americano, pois acredite. Hå! Mais de 50. A maioria nunca tinha nem ouvido falar nesta modalidade. O chão de barro, a paleta de cor terra cota, as construçÔes humildes, improvisadas, muitas vezes no limite. O futebol americano entrou mesmo no cotidiano daquela comunidade. Não só as crianças, os próprios adultos passaram a conhecer e até mesmo entender o esporte. Muitos ali nunca nem mesmo viram um jogo da NFL, mas jå reconhecem o valor recreativo e esportivo daquela atividade.
Mayte diz que não mudaria em nada sua vida, que tem amigos e esportes para praticar e que isso faz dela uma jovem feliz. Vive em uma humilde casa da região com sua mãe, padrasto e 3 irmãos. Ela joga de QB, e vem se destacando na posição, com agilidade, velocidade e passes precisos. Conheceu o esporte quando o projeto chegou ao campo da sua comunidade, foi amor à primeira vista.
Alexandre tem 11 anos, parece ter menos. Esbanja simpatia e soltura no campo. Joga de quarterback e afirma ser o melhor da região na posição. Antes de conhecer o esporte o garoto apresentava traços que preocupavam as pessoas da comunidade, vivia andando pela região sem um destino certo, muitas vezes passando horas vagando desacompanhado. O esporte o aterrou um pouco, e reforçou seus laços de amizade. Alexandre hoje vislumbra a possibilidade de se tornar um jogador.

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Por: Alexandre Hubner, José Bérgamo e Marcelo Paiva

Fotografia: Luisa Dörr

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